*Euro Bento Maciel Filho
Embora adotado em outros países já há um bom tempo, a prática do compliance ainda é algo relativamente nova por aqui. O termo ganhou força real somente após a Lei Anticorrupção (Lei n. 12.846/2013), que foi regulamentada recentemente, por força do Decreto n. 8420/2015.
Mas afinal, o que é compliance?
Evidentemente, defini-lo de forma objetiva e direta não é tarefa fácil. Porém, em largas linhas, podemos entendê-lo como sendo o conjunto de medidas e estratégias que tenha por escopo diminuir riscos e prejuízos nas empresas, causados por crises internas e, via de regra, motivados pela desobediência às normas legais e regulamentares.
Até mesmo em função da multidisciplinariedade do Direito, uma boa estratégia de compliance passa, necessariamente, tanto pela adoção de medidas eficazes para diminuir os problemas na esfera trabalhista, tributária, criminal, cível, ambiental quanto pelo controle e vigilância do sistema interno de informática, seja para evitar o vazamento de dados sigilosos, seja para impedir o acesso indevido de hackers.
Como consequência da complexidade atual do sistema corporativo, é certo que um eficiente departamento de compliance deve contar com bons profissionais em diversas áreas não só do Direito, mas também, e principalmente, em recursos humanos, administração e informática.
É bom dizer que, por conta da infinidade de normas regulatórias e legais, as técnicas de compliance podem variar, e muito, entre as diversas atividades possíveis no mundo empresarial. Porém, o objetivo, independentemente da área de atuação, sempre terá como foco principal o resguardo da empresa contra problemas jurídicos ou administrativos, que possam arranhar a sua reputação perante a sociedade.
Dentro desse vasto contexto, é comum que o empresário efetivamente preocupado com a segurança e a imagem da empresa tenha, ao menos em um primeiro momento, uma especial atenção com a composição do compliance.
Tal se dá porque o Direito Penal, verdadeiro “braço forte” do ordenamento jurídico, é o único que, de forma legítima, pode aplicar uma punição que restrinja a liberdade do cidadão, assim afastando-o do convívio em sociedade. Em suma, é o fenômeno da “prevenção geral negativa”, ou seja, o temor psicológico causado pela pena prevista, que desestimula o agente a delinquir.
É importante esclarecer, desde logo, que, à exceção da hipótese de crimes ambientais – cuja legislação permite a punição das pessoas jurídicas –, as sanções penais recaem sobre a pessoa física, vale dizer, aquele que efetivamente praticou a conduta criminosa.
Até bem por isso, a pessoa jurídica, quando muito, responderá apenas nas esferas cível, tributária e administrativa, por atos criminosos praticados pelos seus sócios, diretores ou funcionários.
Dentro desse contexto, é importante mencionar que a Lei 12.846/2013 (chamada de Lei Anticorrupção) trouxe mecanismos inovadores ao nosso sistema jurídico, os quais permitem, de fato, a imposição de sanções administrativas severas às pessoas jurídicas envolvidas em práticas criminosas.
É inegável que a prática de crimes no âmbito empresarial ou corporativo gera consequências graves tanto para a pessoa física quanto para a empresa. E é justamente para evitar tais consequências que surge o chamado criminal compliance.
Por intermédio deste recurso, as empresas buscam instituir mecanismos internos para fixar condutas e comportamentos alinhados com a ética empresarial e, claro, com as leis vigentes. O objetivo específico dessa forma de compliance é evitar a prática de condutas ilícitas por parte de seus funcionários e dirigentes.
Em um primeiro momento, tais métodos têm por escopo proteger a pessoa jurídica contra a lavagem de dinheiro. Como exemplos dessa preocupação, podemos citar a ideia da criação do chamado “Perfil do Cliente”, muito comum em companhias seguradoras e o “Conheça o seu Cliente”, mais utilizado no setor financeiro.
Contudo, como a participação de empresas privadas no setor público é algo muito comum no Brasil, a prática tem mostrado, infelizmente, que essa “mistura” de dinheiro público com verba privada também se tornou um fator criminógeno relevante.
Com efeito, a corrupção, o peculato, os crimes financeiros e os crimes previstos na Lei de Licitações são apenas alguns exemplos que evidenciam, claramente, que a crescente participação do setor privado na esfera pública pode, de fato, desbancar para a seara criminal.
Logo, diversamente daquilo que se costumava fazer no passado, hoje, em função da extrema diversidade e complexidade das atividades empresariais, o criminal compliance não pode mais estar atrelado apenas à prevenção contra a lavagem de dinheiro.
A atividade empresarial, atualmente, demanda um maior número de relações interpessoais, o que, na prática, pode ser compreendida como a assunção de riscos cada vez maiores, já que nem todas as pessoas são bem-intencionadas.
De nada adianta os sócios seguirem a legislação à risca se, paralelamente, um funcionário, agindo sozinho, corrompe agentes públicos para obter uma promoção ou ganhos maiores em uma determinada licitação. Cabe, pois, ao criminal compliance gerir essas situações, tudo de modo a proteger tanto a imagem da empresa – e também as dos seus sócios, dirigentes e funcionários – como prevenir e evitar o envolvimento da pessoa jurídica em práticas criminosas.
A criminalidade empresarial, antes restrita a algumas poucas hipóteses práticas, se desenvolveu muito e, atualmente, têm uma importância cada vez maior no cenário jurídico mundial. Em paralelo, o criminal compliance, induvidosamente, passou a ser algo absolutamente essencial no mundo corporativo.
*Euro Bento Maciel Filho é mestre em Direito Penal pela PUC/SP. Também é professor universitário, de Direito Penal e Prática Penal, advogado criminalista e sócio do escritório Euro Maciel Filho e Tyles – Sociedade de Advogados. Para saber mais, acesse – http://www.eurofilho.adv.br/ pelas redes sociais – @eurofilhoetyles; https://www.facebook.com/EuroFilhoeTyles/ , ou envie e-mail para atendimento@eurofilho.adv.br